Em plena discussão sobre a polêmica reforma da previdência proposta pelo Governo de Jair Bolsonaro, cerca de um em cada quatro idosos se vêem obrigados a continuar trabalhando para poder manter-se no Brasil.
Enquanto o Congresso analisa o duro projecto que pretende endurecer as condições para obter esse benefício e economizar cerca de 265.000 milhões de dólares em 10 anos, Ivan, Rosilda e Manuel se mostram alheios ao intenso debate. Seus problemas não acabarão com a reforma das pensões.
Todos eles, como milhares de aposentados e pensionistas no Brasil, continuam trabalhando, muitas vezes no mercado informal, para complementar uma renda que, em 65% dos casos não excede a um salário mínimo por mês, que hoje é de 998 reais (260 dólares).
Ivan Ferreira tem 59 anos, está aposentado após completar o tempo de contribuição que estabelece a legislação vigente -35 anos para os homens e 30 para as mulheres-, mas há quase um ano vende café e biscoitos caseiros em um posto itinerante, em uma praça central da cidade de São Paulo.
“Minha esposa ficou sem emprego e montou um café na rua. Comecei a ajudá-la e assim comecei a trabalhar na rua para completar o meu salário, porque a aposentadoria não é suficiente”, afirma em uma entrevista com a Efe.
Sua jornada é maratonista. Chegam as 06h00 da manhã, vão-se sobre meio-dia e à tarde elaboram os bolos do dia seguinte. Assim, quase todos os dias. “Eu gostaria de não ter que trabalhar mais, estar em casa, descansando, passeando, viajando, curtindo com a família…”, acrescenta.
Como Ferreira, 21 % dos aposentados continuam trabalhando no Brasil, dos quais quase a metade (47 %) citam como uma das principais razões para fazê-lo, as dificuldades que têm para pagar as contas, de acordo com uma pesquisa da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas e o Serviço de Proteção ao Crédito.
Oswaldo Almeida, de 63 anos, está em vias de se juntar a esse grupo. Aposentado há sete anos, à procura de um emprego de motorista de caminhão ou o que quer que surja.
Recebe o mínimo, ele vive com sua esposa, uma de suas filhas, dois netos e indigna que ele tenha que trabalhar a vida inteira” por 260 dólares e que um funcionário do Poder Legislativo tenha uma aposentadoria média de 26.800 reais (cerca de 7.000 dólares).
Bolsonaro e seu primeiro-ministro, o liberal, Paulo Guedes, asseguram que a sua reforma do sistema de pensões, que inclui a imposição de uma idade mínima de 62 anos para as mulheres e 65 para os homens, acabará com os “privilégios” e advertem que se não for aprovada, o Brasil “vai à falência”.
Por sua parte, o presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados, João Batista, ressalta que essa premissa é uma “grande mentira” e que o que há é uma “má administração”, porque, historicamente, a falência das pensões foi usado “para fazer política”.
Para ele existem dois grupos de aposentados, que refletem a crua realidade. Os que são apoiados financeiramente pela família e aqueles que ainda sustentam a parte dela.
“Aqui no Brasil se um quer viver com dignidade, tem que pagar um plano de saúde (privado) e para um idoso não encontrá-lo por menos de 500, 600 reais (130, 155 dólares). Um minimamente razoável são mais de 1.000 reais (260 dólares), então, para alguém que percebe o mínimo já se foi toda a pensão”, explica o dirigente sindical.
A subida das pensões mínimas não está entre os objetivos descritos na reforma da previdência de Bolsonaro, que, em seus primeiros 100 dias de Governo, que se cumprem nesta quarta-feira, o tem apostado praticamente tudo para a aprovação deste texto.
Nessa situação também está Rosilda Alves, de 52 anos. Como ela mesma define, vive “apertada” obrigado, pensão por morte, um pouco acima do mínimo, que a obriga a trabalhar como costureira intermitente.
Seu parceiro há três anos que não consegue um emprego estável e agora é a trabalhador temporário no setor de construção de um país com uma renda per capita anual de 32.747 reais (cerca de 8.500 dólares), valor que esconde por trás uma extrema desigualdade.
No Rio de Janeiro, Manuel Robalino, de 82 anos, ainda vende batatas, tomates e legumes em uma praça e é taxativo ao qualificar o sistema previdenciário brasileiro: “É um fracasso”.
“Estou aposentado desde 1987 e todo ano cai um pouco o valor. Então chegará o dia em que eu ficarei com o salário mínimo”, explicou à Efe. Diz que não sabe se a reforma “, se beneficia ou prejudica” os atuais contribuintes, mas sim que o futuro será “mais difícil” para eles.
“O Governo tem um déficit, e eles querem corrigir, querem diminuí-la, mas não sei se vão conseguir”, declara, sem disfarçar seu pessimismo.